quarta-feira, 25 de março de 2009

"Quis Custodiet Ipsos Custodes?"


No dia 06 desse mês chegou às telas 'Watchmen - o Filme', adaptação da graphic novel concebida por Alan Moore e David Gibbons, lançada pela DC Comics entre 1986 e 1987. As primeiras impressões que se pode ter do filme - mesmo entre o público que não está interessado em discutir ou criticar a história de um ponto de vista mais "filosófico" - é que se trata de apenas mais uma adaptação de outra historinha em quadrinhos qualquer, ou seja, "arte" (nas visões menos radiciais) de segunda mão.

Histórias em Quadrinhos, assim como o Cinema, são manifestações muito fortemente associadas ao desenvolvimento da Sociedade do Capital. E isso é um fato. A crítica que Adorno & Horkheimer, por exemplo, fazem em sua 'Dialética do Esclarecimento' à Indústria Cultural toma o Cinema como principal alvo. Outros pensadores como Debord e Jameson certamente também não lançaram bons olhares sobre esses tipos de arte de maneira positiva. Mas, possivelmente, eles e outros críticos deixaram e ainda deixam de lado um ponto importante: o desenvolvimento dessas manifestações culturais, assim como todo o movimento de desenvolvimento das manifestações sociais e seus reflexos, ocorre de maneira dialética, ou seja, em alguns momentos começarão a vir à tona os aspectos contraditórios desses crescimentos.

De maneira objetiva o que estou tentando dizer é que acredito que tanto no caso do Cinema como das HQ's podemos assistir à Sociedade do Espetáculo sendo minada, criticada de dentro para fora, atingida em suas bases de alguma forma e em algum momento. Não que essas ações (quando ocorrem) sejam necessariamente orientadas nesse sentido, mas isso acontece porque tanto as HQ's quanto o Cinema não podem ficar totalmente alheios ao que se passa no mundo real, sob o próprio risco de não encontrarem mais público. É dentro desse contexto que 'Watchmen' entra como um dos acontecimentos fundamentais que revolucianaram os quadrinhos em meados dos anos 80.

Histórias em Quadrinhos de personagens como o Homem-Aranha ou o Batman são nossa mitologia moderna. Nelas estão presentes o "monomito" ("a jornada do herói"), conceito apresentado pelo antropólogo Joseph Campbell que trata dos elementos comuns a esse arquétipo presentes em histórias desde tempos muito antigos. Não surgiram com a Sociedade do Capital, apenas foram adaptadas para se tornar mercadoria, seguindo a "lógica" do sistema. Sua essência, no entanto, é mostrar não as pessoas que a humanidade um dia conheceu, mas que aspira a conhecer.

Na Indústria Cinematográfica, o que temos assistido em decorrência de uma certa decadência de idéias para se produzir (ou repetir) estórias, também reflexo (ou uma das causas?) da crise interna do cinema americano, é a imensa quantidade de adaptações de obras, algumas antes apenas conhecidas por seus públicos seletos. Em relação à sua essência, o que temos é um poderoso meio de se chegar até as pessoas. Seu desenvolvimento, segundo Adorno & Horkheimer, esteve relacionado com o ato de produzir e reproduzir tipos sociais, as "personas" capazes de alimentar a máquina do Capital.

Dois elementos tão contraditórios só poderiam resultar em uma coisa: uma arma com um poder sem tamanho, o Espetáculo como crítica à própria Sociedade do Espetáculo. Essa é a idéia que, para mim, o filme reforçou, e que já vem sendo observada há algum tempo. Talvez com frequência e força bem maiores nos últimos anos. Basta lembrar de tudo o que se escreveu a respeito do "mistério" por trás da trilogia 'Matrix'. Ninguém entendeu muita coisa, mas com certeza todo mundo foi atingido de alguma maneira.

'Watchmen' também é uma obra complexa. O principal responsável por ela atende pelo nome de Alan Moore, de quem, nos últimos anos, diversas obras têm sido adaptadas para a 7ª arte, todas sem sua participação e tendo um resultado muito inferior ao formato em que foram concebidas, segundo seus leitores. A diferença deste filme para seus outros trabalhos que ganharam versão para as telonas é que foi realizada por um fã, o único tipo de pessoa capaz de fazer os cortes necessários sem atrapalhar a essência do que está sendo exposto (mesmo caso da excelente adaptação d'O Senhor dos Anéis).

Não faria sentido escrever aqui mais uma sinopse da estória, isso é muito fácil de se encontrar. Da mesma forma, discorrer sobre os tipos psicológicos dos personagens e a relação que podemos fazer com nosso cotidiano também seria cair em um certo lugar comum. Eu queria chamar atenção para dois pontos: o primeiro é que a história não tem exatamente um vilão. Isso é um bom quebra-cabeça pra quem está acostumado a ver o mundo de maneira maniqueísta. O segundo, e mais interessante, é o desfecho. É aqui onde acontece a crítica:

E se, de repente, nós tivessemos a paz? Estamos preparados para ela? Sairíamos da nossa pré-História ou nos inquietaríamos ao ver pessoas andando abraçadas pelas ruas vivendo em harmonia? Já estamos preparados para isso?

Pense a respeito. Responda você à pergunta...

P.S: se nada disso te interessa, você talvez queira ir ao cinema pelo status de 'cult' da HQ: ela é a única história em quadrinhos presente na lista dos 100 melhores romances eleitos pela revista americana 'Time'.

Nesse caso, um 'viva' à futilidade e ao nosso eterno adaptar de nossas vidas às regras da prisão que ninguém vê.


O Sith

terça-feira, 24 de março de 2009

Deleuze I



"...Na mídia, na maior parte do tempo e nas conversas correntes, não há questões, não há problemas. Há interrogações. Se eu digo "Como vai você?", isso não é um problema, mesmo se você estiver mal. Se eu digo "Que horas são?", isso não é um problema. Tudo isso são interrogações. No nível da televisão habitual, mesmo em programas muito sérios, temos interrogações. "O que você acha disso?". Isso não é um problema. É uma interrogação, queremos a sua opinião. É por isso que a TV não é muito interessante, é a opinião das pessoas. Isso não me parece muito interessante. Se dizemos "Você acredita em Deus?", isso é uma interrogação. Onde estão o problema e a questão? Não existem. Se apresentássemos questões ou problemas num programa de TV... Precisaria acontecer mais. Temos Océaniques, certo, mas não é muito freqüente. Os programas políticos não discutem nenhum problema, mas poderiam fazê-lo. Poderíamos perguntar sobre a questão chinesa. Não perguntamos, convidamos especialistas da China que nos dizem coisas que nós mesmos poderíamos ter dito sem saber nada sobre a China. É surpreendente. Não faz parte de um domínio..."

Deleuze, extraído do seu Acedário.

rei i.